Eduardo Galeano: “Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos?”
publicado em 23 de novembro de 2012 às 17:07
Eduardo
Galeano: “Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados
pelas ditaduras latinoamericanas que Israel assessorou”
por Eduardo Galeano, em Pragmatismo político, via Agência Alba
Para
justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio e
colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo
seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.
Desde
1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem
nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água,
sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus
governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza
está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que
o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia
ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El
Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta
e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é
um luxo que nem todos merecem.
São
filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas,
encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras
que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero,
à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à
existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito
eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à
existência da Palestina.
Já
resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa.
Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a
fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.
Não
há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a
Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o
Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas
guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os
almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de
propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição
que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à
espreita.
Israel
é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das
Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais
internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único
país que legalizou a tortura de prisioneiros.
Quem
lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade
com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não
conseguiu bombardear impunemente o País Basco para acabar com o ETA,
nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por
acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade?
Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o
mais incondicional de seus vassalos?
O
exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem
mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são
chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras
imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E
somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do
esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito
nesta operação de limpeza étnica.
E
como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem
palestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, adverte outro
bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a
crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E
esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as
duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada
Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.
A
chamada “comunidade internacional”, existe? É algo mais que um clube de
mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico
que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro?
Diante
da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. Como
sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as
declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à
sagrada impunidade.
Diante
da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E
como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velha Europa, tão
capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima,
enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caçada de
judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida
histórica está sendo cobrada dos palestinas, que também são semitas e
que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão pagando, com sangue
constante e sonoro, uma conta alheia.
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